Pena





Alguns dizem que não querem que por eles tenham pena. Mas a pena é um aconchego, depois que tudo o mais se foi, e se fica vazio. Alguns querem ser amados. Não querem pena. Pois sim... e se não puderem ser amados? Se por algum motivo monstruoso, esse sentimento não os possa alcançar? Ou tão só, sejam as circunstâncias a ditar a impossibilidade? Não sei... Talvez não seja assim tão mau restar alguma coisa, como a pena...quanto mais não seja, para escrever!


Dialética de tensa relação,
Tango dançado a dois.
Parecia intensa paixão,
Mas não foi o que veio depois!
No jogo do empurra,
Algum golpe esmurra;
E um mais duro,
De novo faz erguer o muro.

Que flor nele pode crescer?
Não estará condenada a secar?
E não me consigo erguer...
E no meu peito está a nevar.

O que nos separa,
Não é coisa pequena:
Dissipou-se o amor,
Ficou só pena!



 

Pela manhã

Às vezes o ar é mais denso, como um nevoeiro pesado. E respirar custa e entre cada exalação, pensamos se vale a pena o esforço. E de tanta solidão ao redor, pensamos que talvez não valha. Só uma estranha sensatez nos puxa para este lado, nesta margem sempre molhada e triste, onde o sol não brilha.


No peito um frio que assenta como a geada pela manhã.
As mãos ardendo irrequietas, em chama vã.
E na garganta uma rouquidão que rouba a voz;
Poemas por dizer, porque estamos sós.
E os braços são pesados e não agem.
Os olhos vidrados, nalguma miragem...
Porque nem os sonhos acordam pela manhã.
Há vento frio, que adia tudo para amanhã.
Um esboço de um sorriso, parece um esgar!
Alguém sussurra, querendo chamar.
E mais uma vez nenhum afã...
Esfarrapa-se o nevoeiro pela manhã.
Os passos são presos, lentos e pesados.
Ninguém, por nenhum dos lados;
Criatura esfingica, parada no monte.
A coragem não tem fonte;
Nem a liberdade caminho por onde seguir.
Só o medo dá vontade de fugir;
Só o vento soprando em redor,
Traz o perfume da flor.
E se a mente restar sã;
Encherá o peito de ar, pela manhã!


 

Tempestade

Tenho a impressão que a felicidade não é algo que construímos ou conquistamos. A felicidade é um dom: Alguns têm, outros não. Ou se descobre nos acasos da vida, ou nunca se descobre, como se para sempre nos deixasse orfanados. Lutar é em vão. Às vezes sinto-me em vão...



Esfrangalhei as asas em queda abrupta
E não sei o que sou
Figura por demais caricatural e bruta
Inimigo de mim próprio, por onde vou
Estilhaços de um amor de cristal
Que não devia, mas fez mal
Agora dói-me a tua ausência
Em toda a doçura um azedume
Uma insatisfação, ou um queixume
A isto não responde nenhuma ciência
Sonhei, mas acho que não acreditei
Com suficiente força ou fé
E fiquei na costa, remoinho da vida, sem pé
Agora a debater-me nos meus medos e receios
Fantasmas misturados com anseios
E sem jeito, nem saber,
O sonho foge, em areia se desfaz!
A felicidade, bruma a desaparecer,
Ainda ontem tudo parecia estar bem e de feição,
No peito em felicidade, pulando o coração,
Batia forte e hoje…éis que aqui jaz.



 

Voando Só





Eu gostaria de ao nascer do sol, nascer também. O peso dos pecados que me atiram para o sono, pela noite, pudessem jazer para sempre na escuridão. E cada manhã fosse uma promessa plena e nova. Quem sabe? Talvez a existência se tornasse mais suportável, porque haveria sempre um recomeço. Se calhar, nem era preciso... Uma redenção seria suficiente!



Não sabia que era pássaro;
Até espreguiçar os braços,
E senti-los macios.
Dei uns passos,
No chão da gaiola;
Passos vazios...
Cordas tangendo,
Na viola!
Sou eu gemendo.
E ela veio abrir...
Ficou ali a olhar,
Para mim,
A sorrir!
À espera de me ver,
Partir,
Voar!
Abri os braços,
Asas esticadas!
Do voo, vi-lhe os traços,
(Nenhum arrepio me bule.)
Um esforço, umas penadas!
Lancei-me em mergulho,
Apanhei bebedeiras de azul!
E esta sensação de euforia,
Embriaguez de alegria,
Tão bom sentir-me assim!
Mas era uma ilusão,
Esse céu todo pra mim!
(Era talvez hiper-ventilação,
Ar limpo, sem nenhum pó.)
E tudo, porque voava só...