É tarde...


Às vezes era bom que tudo acabasse. Para tirar esta dor no peito de estar vazio, de ser só, como uma estrela no meio da negridão do cosmos. O peito feito pisadura. As coisas que já não podem ser. Estar perdido. Não pertencer a nada, nem a ninguém. Ser uma ilha no meio do mar. Deixar de esperar...


Gosto do céu sem limites,
Dos sonhos de eternidade.
Agora é a consciência da finitude.
E este intervalo é a plenitude,
Toda a vida que se tem!
É tarde, tão tarde...

Para saborear uma paixão,
Palpitar coração com coração,
Para num instante,
Tudo valer a pena!
É tarde, tão tarde...

Para segurar de novo a tua mão,
Para te prometer a Lua,
Desejar-te nua!
Em ti ser marinheiro, naufragar!
E tu a me ressuscitar,
No boca-a-boca de um beijo,
Sôfrego de intenso desejo!
É tarde, tão tarde...

Sou metade do homem que fui.
Vejo no espelho o meu cansaço,
Que também te marca a ti.
O tempo que nos esculpe,
Em estátuas de ruína,
Que se hão-de desfazer.
É tarde, tão tarde...

Que sonhar contigo,
É um imenso arrastar,
De memórias que devia evitar!
Uma inquietude, uma agonia,
Querer e não poder,
Sentir tudo a fugir,
Tudo a sumir.
É tarde...